São Paulo / SP - sábado, 04 de maio de 2024

Diabetes Infantil

Em entrevista exclusiva ao Portal Diabetes:, o Dr. Durval Damiani fala sobre um tema cada vez mais preocupante dentre os pais de crianças e adolescentes de hoje em dia: o diabetes infantil.

Dr. Durval Damiani
Prof. Livre Docente da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP e Presidente do Departamento Cientifico de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Portal Diabetes: Porque está aumentando cada vez mais o número de crianças que estão se tornando portadoras de diabetes tipo 1? E a que o Sr. atribui isso?

 

Dr. Durval Damiani: O DM tipo 1 apresenta características geográficas interessantes e há países (Finlândia) em que a prevalência chega a ser 50 vezes mais alta que em outros (Japão). Há uma base genética para isso, que passa a conferir às pessoas uma característica imunológica muito especial. O grande marcador de predisposição ao diabetes são os antígenos do sistema HLA (uma espécia de “carteira de identidade imunológica” que temos). Quando você herda um tipo especial de HLA, você pode ter uma predisposição aumentada ao DM1 e, em certos casos, você pode herdar um haplotipo de proteção e terá, como conseqüência, muito menos probabilidade de desenvolver a doença. O DM1 ocorre em 1 em cada 500 a 2000 crianças (já que é o tipo de diabetes não exclusivo, mas prevalente em crianças e adolescentes) e eu não diria que esteja havendo aumento na incidência, diferentemente do que ocorre com o DM tipo 2 que está, visivelmente, aumentando, especialmente em adolescentes.


Portal Diabetes:: Quais os principais sinais e sintomas, que podem ser percebidos pelos pais, e que podem ser indicativos de que seu filho(a) é portador de diabetes?

 

Dr. Durval Damiani: O DM é um distúrbio metabólico onde a insulina não consegue exercer seus efeitos adequadamente, quer por falta de produção (tipo 1) quer porque ocorre aumento de resistência à sua ação (tipo 2). Como o açúcar (glicose) necessita da ação da insulina para ser jogado para o interior da célula, onde é fonte de combustível para o metabolismo, no DM a glicose fica no sangue (hiperglicemia) e passa a ser eliminado pelos rins (açúcar na urina ou glicosúria). Ora, se a glicose não está podendo ser utilizada como combustível, o organismo começa a mobilizar gordura para produzir energia, o que deixa, como resíduo metabólico os corpos cetônicos. Daí, podemos entender o quadro clínico do DM: aumento do volume de urina (os rins estão eliminando o excesso de açúcar e, com isso, carregam água junto), muita sede (para repor a água que está sendo eliminada como urina), perda de peso (o organismo está queimando gordura) e muita fome, numa fase inicial, já que a célula está privada de glicose e “tem fome”. Apesar disso, há perda de peso. Chama muito a atenção dos pais o fato de a criança estar urinando muito e tomando muita água. Muitas crianças começam a urinar na cama, numa época em que já tinham pleno controle esfincteriano. Com o evoluir do quadro, podemos chegar a quadros muito graves como a cetoacidose diabética, que necessita de internação para seu tratamento. Resumindo, criança ou adolescente que comece a beber muita água, urinar muito, perder peso tem diabetes até prova em contrário e os pais devem, imediatamente, procurar um médico.



Portal Diabetes: O tratamento de uma criança portadora de diabetes é diferente do adulto? De que maneira é feito este tratamento?

 

Dr. Durval Damiani: O tratamento do Diabetes Mellitus é, basicamente, o mesmo na criança e no adulto. O que varia é o tipo de diabetes que prevalece em cada faixa etária. Na criança e no adolescente, o tipo mais freqüente é o tipo 1, que necessita de insulina para sobreviver. Já o tipo 2, que é a forma mais freqüente de DM, prevalece no adulto e inicia seu tratamento com medicamentos por via oral (hipoglicemiantes orais) podendo, em sua evolução, necessitar de insulina para um melhor controle. Dessa forma, enquanto o DM1 precisa de insulina para sobreviver, o DM2 pode necessitar de insulina para melhorar seu controle metabólico. No entanto, pode haver DM1 no adulto e tem havido, cada vez mais, DM2 em crianças e adolescentes.



Portal Diabetes: O Diabetes em crianças pode vir a atrapalhar seu crescimento?

 

Dr. Durval Damiani: Há uma palavra “mágica” no tratamento do DM que é CONTROLE. Um paciente diabético bem controlado cresce bem e tem uma vida absolutamente saudável. Pratica esportes, vai normalmente à escola, exerce suas atividades profissionais com eficiência, pode namorar, ter filhos, enfim, ser uma pessoa igual a qualquer outra que não seja portadora de DM. No entanto, se o controle não for feito, sérias e graves conseqüências poderão advir e o crescimento, dentre tantas outras coisas, pode ser comprometido.



Portal Diabetes: Na fase de transição em que a criança passa para a fase da adolescência o tratamento do Diabetes deve ser revisto?

 

Dr. Durval Damiani: No DM1, a época da puberdade gera a necessidade de doses maiores de insulina para um bom controle. Isto ocorre porque os hormônios da puberdade são antagonistas da insulina, ou seja, eles atrapalham a ação da insulina. Dizemos que os pacientes nessa fase, tornam-se mais resistentes à ação da insulina. Um outro aspecto importante são as próprias alterações de vida decorrentes da adolescência, onde o jovem quer ter maior independência, não quer ficar restrito a esquemas convencionais, etc. Isto, para o diabetes, é um complicador já que os tratamentos baseiam-se em algumas normas de horários alimentares, por exemplo. Um adolescente que vá a uma “balada” e resolva não se alimentar no horário convencional e vai jantar às 3 horas da manhã, cria um problema e tanto, pois a insulina que ele tomou pressupõe um horário alimentar definido. Ele pode, portanto ter hipoglicemia porque não jantou no horário adequado e vai ter hiperglicemia porque está se alimentando fora do horário convencional. Um outro aspecto que os adolescentes apresentam é dormir até o meio dia, deixando de fazer seu café da manhã no horário convencional. Isto pode levar a graves hipoglicemias. Todos esses detalhes devem ser muito bem conversados com os pacientes, para que eles entendam os mecanismos que regem o tratamento. Não precisam deixar de fazer o que queiram fazer, mas, como num jogo, devem seguir certas regras...



Portal Diabetes: O preconceito e a discriminação enfrentados por crianças portadoras de diabetes podem dificultar sua adesão ao tratamento? E os pais como devem, na sua opinião, auxiliarem?

 

Dr. Durval Damiani: Cada vez mais o diabetes é conhecido de todos, de modo que ninguém mais se assusta ao saber que seu amigo ou amiga estão com DM. A questão de aceitação não é um problema e, no grupo, os colegas até ficam curiosos de ver como o paciente se trata, como se administra insulina, como monitora sua glicemia e assim por diante. É importante, dependendo da idade, que os colegas saibam que o paciente é diabético para poder ajudá-lo em algumas situações especiais, como hipoglicemia (o açúcar baixa e a pessoa sente-se mal, devendo ingerir alguma bebida com açúcar). O preconceito muitas vezes está na cabeça do próprio paciente que vai achar que os outros o têm como “diferente”. Uma vez que o paciente aceite sua condição, o preconceito deixa de existir.
Com relação aos pais, devem tratar o paciente como uma pessoa absolutamente normal. O paciente diabético não deve ter regalias nem punições especiais pelo fato de ser diabético. Trate-o como a pessoa normal que ele (ela) é. Convide os amigos da escola para sua casa. Se houver uma festa, participe normalmente e tome os cuidados com relação aos açúcares de absorção rápida. Os amigos vão aprender como é a rotina do paciente diabético e passam a ajuda-lo a cumpri-la. Não escondam seu filho(a) porque ele (ela) é diabético. Eu penso que esta é a melhor forma de efetivamente ajuda-lo.



Portal Diabetes: Por que cada vez mais no Mundo inteiro é maior o número de crianças obesas que tem manifestado o diabetes tipo 2, que antes só se manifestava em adultos ou idosos?

Dr. Durval Damiani: O aumento da prevalência de obesidade no mundo todo (e também no Brasil!) tem trazido consigo um aumento da resistência à insulina. Como eu disse acima, este é o mecanismo que leva ao diabetes tipo 2. Dessa forma, estamos vendo, cada vez mais, crianças e, especialmente, adolescentes com DM tipo 2.



Portal Diabetes: Pais diabéticos, seja do tipo 1 ou do tipo 2, podem vir a ter filhos portadores dessa mesma doença crônica?

 

Dr. Durval Damiani: A transmissão genética do diabetes tipo 1 é complexa, como já expliquei acima. Pais com DM 1 têm um risco aumentado de terem filhos com DM1, mas não é um risco muito alto. Já o DM tipo 2 tem uma transmissão genética mais definida e, quando temos gêmeos idênticos, a taxa de concordância entre eles para DM2 é muito alta, chegando a 80%. Portanto, pais com DM 2 têm maior risco de terem filhos que, posteriormente, desenvolverão DM2. Lembramos que o fator obesidade é importante e, se houver obesidade associada a pais diabéticos, aumenta o risco.



Portal Diabetes:: O Sr. acredita que uma criança que se torna portadora de diabetes hoje, pode vir a alguns anos ser beneficiada com a cura do diabetes e, para tal, deve manter-se bem controlada para chegar a isto sem complicações?

 

Dr. Durval Damiani: Isto é tão certo quanto 2+2=4!!! A cura do diabetes vai chegar. Temos visto várias tentativas de cura que esbarram em dificuldade técnicas, imunológicas, etc, mas chegaremos a ela. Eu acho que esta deve ser a grande MOTIVAÇÃO para os pacientes diabéticos fazerem um bom CONTROLE e este controle bem feito é crucial para que eles tenham uma boa qualidade de vida e para serem pessoas produtivas, alegres e felizes.