São Paulo / SP - sábado, 04 de maio de 2024

Artigo-Obesidade infanto-juvenil

Obesidade Infanto-Juvenil: uma proposta de classificação

clínica*


Infant-juvenile obesity: a proposal for clinical classification

Obesidad intantojuvenil: una propuesta de clasificación clínica

 

A percepção de que a doença obesidade esconde diferentes situações metabólicas tem ganho consistência, que pode ter enfoques terapêuticos diversos. O problema é que o quadro ainda é muito pouco conhecido e, apesar de ultimamente vários protagonistas da fisiopatogenia terem sido encontrados, ainda nosso conhecimento do que leva ao comprometimento metabólico é pobre.

Uma primeira constatação foi a de que o tecido adiposo passou de mero armazenador de gordura ao “principal órgão endócrino do nosso organismo”, tamanha é a quantidade de hormônios e fatores por ele sintetizados1.

Uma outra descoberta foi a grande participação de hormônios intestinais na regulação do esvaziamento gástrico, secreção de insulina e saciedade, ao nível do sistema nervoso central. A lista cresce a cada dia, com o GLP-1

(glucagon-like peptide 1), PAI-1 (plasminogen activator inhibitor 1), oxintomodulina, PYY e outros1.

Por outro lado, nossos recursos para lidar com tamanha complexidade ainda são muito limitados, com a habitual indicação de restrição calórica e aumento da atividade física. Eventualmente, faz-se o uso de medicações do tipo sibutramina (sacietógeno) ou orlistat (inibidor da lipase intestinal), ou ainda, das “velhas drogas” do grupo das anfetaminas (anorexígenos) ou de efeito térmico.

A proposta de uma classificação que leve em conta o distúrbio metabólico primário (basicamente resistência à insulina) é bem vinda, e tem o sentido didático de fazer o clínico pensar em várias possibilidades etiológicas frente ao quadro de obesidade, como via final comum de distúrbios tão distintos quanto a síndrome de Prader Willi e o hiperandrogenismo ovariano funcional. No entanto, não devemos simplificar excessivamente o problema,

pois há imbricamento entre as várias possibilidades etiopatogênicas da obesidade.

Uma primeira grande dificuldade é a caracterização da resistência à insulina. Há casos em que apenas a clínica já é suficiente, como na síndrome dos ovários policísticos e na acantosis nigricans, mas há situações em que fica difícil caracterizar-se a resistência. O HOMA como índice de resistência também é controverso, uma vez que o nível de corte pode ser 2,5 , 3,3 , 3,5 ou 3,8, dependendo do autor. Não é prático nem factível submetermos os pacientes a um clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico ou a um GTT intravenoso com amostras freqüentes (modelo mínimo), ambos considerados padrão ouro para resistência à insulina.

*Parte do relatório de análise referente a artigo publicado no presente fascículo de Pediatria (São Paulo).

 Uma outra questão é a de causa e efeito - a resistência à insulina leva à obesidade ou a obesidade cursa com resistência à insulina? À medida que o adipócito fica repleto de gordura, vai reduzindo a capacidade de produzir adiponectina, um sensibilizador à ação da insulina e, conseqüentemente, advém a resistência. Separar o primário do secundário é sempre difícil. Quando se lê o artigo em questão, fica a impressão de que é fácil separar todos os grupos propostos, o que não ocorre na prática. Os autores aproximam-se de Karelis et al2 que propõem uma divisão da obesidade em subgrupos, levando em conta o perfil metabólico. Um dos grupos é o dos “obesos metabolicamente saudáveis”, que apresentam sensibilidade normal à insulina e baixo risco cardiovascular, constituindo cerca de 20% daspopulações de obesos 2.

O artigo ora publicado tem o grande mérito de chamar a atenção para diferentes possibilidades metabólicas nos quadros de obesidade, mas, creio, as alterações metabólicas serão várias. A caracterização do perfil metabólico do paciente obeso passará, provavelmente, por uma determinação dos níveis de mediadores e da funcionalidade da saciedade, que possam estar alterados. Alterações de receptores, como ocorre na mutação do receptor de melanocortina tipo 4, respondem por até 6% dos casos de obesidade. Com a determinação da fisiopatogenia teremos armas mais efetivas para o tratamento desta verdadeira “epidemia de obesidade”, que tem nefastas conseqüências a médio e a longo prazos. Os tratamentos terão de ser desenhados de acordo

com o perfil metabólico, e certamente a individualização poderá alcançar o sucesso terapêutico da obesidade que almejamos.

Prof. Dr. Durval Damiani.

Endocrinologista Pediátrico. Responsável pelo Grupo de Obesidade Infantil da Unidade de Endocrinologia

Pediátrica do Instituto da Criança do HC FMUSP

Referências

1. Kershaw EE, Flier JS. Adipose tissue as an endocrine

organ. J Clin Endocrinol Metab 2004; 89:2548-56.

2. Karelis AD, St-Pierre DH, Conus F, Rabasa-Lhoret

R, Poehlman ET. Metabolic and body composition

factors in subgroups of obesity: what do we know? J

Clin Endocrinol Metab 2004;89:2569-75.